Há bem pouco tempo, as notícias deram conta de que uma equipa de cientistas tinha desvendado a origem do cheiro dos livros. Fundamentaram, então, aquilo que já toda a gente tinha mais ou menos inferido, isto é, que o cheiro resultava da exposição do papel e das tintas ao tempo, ao sol, à humidade, tudo contribuindo para a degradação dos seus materiais, muitas vezes com uma preciosa ajuda de substâncias ácidas utilizadas no tratamento do papel ou na composição das tintas. Do nada, nada se faz.
Em nome da verdade há que dizer, porém, que o estudo deixa uma importante nota: os livros facilmente absorvem cheiros fortes a que possam estar expostos durante longos períodos: o tabaco, por exemplo, ou o café.
Parece-me, por tudo isso, abusivo falar de um «o cheiro» dos livros. Falar no cheiro dos livros é como falar no cheiro das pessoas ou no cheiro das casas; não há um, mas muitos. Os livros cheiram às pessoas que os lêem, às casas onde são guardados e aos que nelas vivem ou ao que nelas se passa.
Há algumas semanas comprei na Feira da Ladra o primeiro volume de Illusions Perdues, de Balzac, numa edição francesa dos anos 30. Não notei logo quando o comprei, mas ao fim de umas horas na mochila, e agora ainda na estante, o livro liberta um odor quase violento a antigo perfume de mulher, certamente a senhora a quem pertence a assinatura desenhada e ilegível a esferográfica verde numa das primeiras páginas. Pego no livro e de imediato me vem à mente o cheiro que se espera sentir num boudoir antigo, desses que já só há nos filmes, cheio de cortinas grossas e carpetes e sedas e veludos e lençóis e tudo.
Hugo Picado de Almeida