Não será por acaso que chamamos chuva à estática na televisão sem sinal. Há entre elas parecenças de sósia.
Do lado de lá do vidro, a chuva converte-se em estética; visual e sonora, e nada mais. Estática na inércia incapaz de produzir efeitos do lado de cá da vidraça. Para lá do ecrã que é agora, também, a janela, distamos da chuva que cai tanto ou mais daquilo que rebenta, ribomba e peleja na outra janela que é, também e sempre, o ecrã. Assim se começa o isolamento e a apatia, moderno ascetismo pela astenia do corpo, do Homem: quando se o convence de que as paredes medem quilómetros e que a distância se aniquila apenas pelo controlo remoto em riste. Porque a loucura é sair lá para fora, de braços abertos, e deixar-se inundar pela chuva.
Hugo Picado de Almeida