Quando os caçadores russos chegavam às cabanas que haviam de albergá-los durante a temporada de inverno, era seu costume fechar os olhos e atirar uma garrafa de vodka para o meio da neve. Diziam eles que, assim, quando viam a garrafa surgir novamente, ao cabo de alguns meses, sabiam que o inverno estava finalmente a chegar ao fim, e com ele o tempo de voltar a casa. Mais do que isso, este seria certamente ardil que os defendia de si próprios, garantindo-lhes uma garrafa para o fim da estação.
Uma destas noites, dei por mim a pensar que é bem possível que haja ainda, algures nos tapetes de neve da Sibéria, uma ou outra dessas garrafas, conservadas pelo álcool e pelo frio como cápsulas do tempo. De algum modo, parece-me que 75 centilitros de vodka podem ter tanto ou mais para contar do que um pedaço de papel numa mensagem, ou do que um barquito de vidro lá fechado dentro. Uma vez, num dos pontos mais altos de uma estância de ski andorrana, encontrei um desses frascos enterrados — vodka-pêssego –, e em boa hora decidi deixá-lo intocado. Tenho para mim que a história do dono, descendo as pistas depois de a beber, deve ser mesmo coisa do caraças, difícil de igualar em texto.
Hugo Picado de Almeida