Não tenho desejos de eternidade; não estarei cá para daí recolher o mais miserável proveito. Como o Camus colocou na boca do doutor Bernard Rieux, no seu belíssimo e profundo A Peste, não estou tão interessado em ser santo como em ser homem, além de que, no futuro, não conheço um único alguém que anseie pela minha presença. E isso é apenas natural, nada digno de nota ou laivo de espanto ou desilusão; motivo algum para que se detenha o pensamento ou para que se encete qualquer esboço de acção. Escrever é coisa feita para poder durar, mas na verdade simultaneamente tão contextual como a beleza, tão unicamente presente como a presença palpável, descritível e delicadamente efémera de uma cadeira nesta sala, do quadro naquela parede, dos reflexos da luz que se projectam através do vidro durante não mais do que um instante. Quem o diz com a sua ausência são os milhares de livros violentamente queimados ou discretamente esquecidos, e mormente aqueles que simulam a existência com a presença nas prateleiras das livrarias.
Ser-me-á sempre mais fundamental ser lido por aquele grande amigo na mão e por aquela maravilhosa mulher no peito. Para aqueles que comigo forem presente. Talvez por isso não me aborreça se nunca a Academia do Nobel se decidir a agraciar-me. Sobreviver-me-ão sempre as páginas escritas, a mim e a todos, bem o sei, mas isso não lhes garante que lá adiante, no tempo ainda de ninguém, alguém as deseje mais do que hoje. Bem vistas as coisas, espero bem que uns quilómetros lá à frente haja textos bem mais necessários e relevantes do que os meus. O contrário desgostar-me-ia profundamente. Desiludir-me-ia.
Creio que o Sartre dizia algo como: “É até possível que haja um tempo mais belo do que este, mas este é nosso”.
Hugo Picado de Almeida