Lisboa sabe a ginja quando a luz branca impede a margem.
Entre o fado e as gaivotas há um sentimento de coragem
Que ficou com as colunas amarradas ao cais.
Mesmo se as caravelas se fizeram países
E os Palácios Ministérios,
Mesmo se a estátua cavalga ainda para lado nenhum
E se o rio é mais mancha, água de deserto e
Céu alastrando sobre o Tejo sem barcos.
Mesmo se as gentes dizem coisas vulgares
E os amores-desfeitos esvoaçam como as folhas de jornais,
Matutinos do dia anterior
De rojo pelo chão no choro da praça.
Ainda que os vespertinos entupam a noite aos
Vivos, abandonando a sorte e provando a audácia,
Lisboa é perfeita quando sabe à grandiosidade do sossego que acaricia,
Ao suave marulhar do rio e das gentes na praça
Branca, emoldurada pelas arcadas de pedra
Que oportunamente reflectem o sol,
Banhando em cascata essas colinas
De onde os prédios, langorosos, parecem escorrer aos tropeções.
Há luxúria no calcorrear da calçada,
Amor nos bancos de pedra aveludada sentados defronte do rio,
E um inegável orgulho de partilhar a língua com a cidade,
De tratar por tu e cúmplice ser do fado vadio:
Há monumentalidade nos prazeres simples,
E loucura invejável na inflamada serenidade.
Hugo Picado de Almeida