Encontrar casais desequilibrados no Metro é algo que, embora triste e doloroso, tem por vezes o dom de dar cor aos dias, quando a estupidez se mistura na equação.
Ontem, seguia um destes pares deslaçados no Metro, ao meu lado. Ele já ia na carruagem. Ela entrou na Cidade Universitária, creio. Sem falar, ela pregou-lhe um beijo seco, básico, rápido, insonso, ainda que este último adjectivo eu não o possa comprovar. Mas pareceu-me, digamos assim, e não o discutamos mais.
Ainda sem falarem, ele pôs-se a dançar com a cabeça, para a esquerda e para a direita, para observar as madeixas dela que, escuras e lisas, lhe escorriam dos dois lados do rosto, fugindo como estalactites de um gorro grosso que lhe ficava mal. Ela fitava-o, quieta. De seguida, ele assentou-lhe uma mão aberta sobre o alto da cabeça. Ela explodiu:
– Qu’é que tu ’tás a fazer?
Ele retirou a mão e murmurou algo de que não fui capaz de extrair sentido.
– Não sejas parvo. — avisou ela. Depois, olhou para o livro na mão dele, e disse:
– Qu’é isso? Agora ’tou a ler o Prézinger.
– Prizinger.
– Prézinger.
– Prizinger. Em inglês não há o som é.
– E o qu’é qu’eu disse? Prêzinger.
– Prézinger.
– Pois, Prêzinger.
– Vês? Prézinger!
– Já não te posso ouvir! Prêzinger! Parece que não sabes falar, tu.
Tive muita pena de não continuar a assistir àquela história de amor, pois o final prometia divertir-me grandemente.
Se eu tivesse mais lata, e fosse eu talvez alguém mais decente, tê-los ia aconselhado a sair em estações diferentes e a que se esquecessem mutuamente. Salvavam-se, assim, duas vidas, uma casa, um carro, talvez até um cão e, sobretudo, aquele secador de cabelo que um dia hão-de atirar pela janela.
Hugo Picado de Almeida