Textos

Newton e os provérbios

Como diz a Terceira Lei de Newton, a todo o provérbio popular se opõe sempre uma igual reacção. Ou seja, as opiniões de dois corpos sobre um mesmo provérbio são sempre iguais e opostas.

Mas numa coisa a Manuela Moura Guedes tem razão: há, de facto, duas versões do mesmo provérbio, sim: uma certa e uma errada. Dezembro frio, calor no estilo é um disparate nascido da ignorância de alguém estrangeiro às latitudes providas de estio e que, com o pudor dos que não gostam de ser turistas, construiu o falacioso dito. E como na internet os erros se espalham como a peste entre narizes, o provérbio criou raízes, atirou ao ar os seus pólenes e acabou por florir, on air, no canal um da televisão pública nacional.

Como diz o provérbio, Uma mentira mil vezes repetida torna-se Bagdade. Ou verdade, ou lá o que é.

Hugo Picado de Almeida

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Para referência, o que a Terceira Lei de Newton diz mesmo é isto: «Para toda a acção existe sempre uma igual reacção. A acção mútua de dois corpos um sobre o outro é sempre igual e oposta.»
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Ficções, Música

Amsterdam

Esta noite fui assaltado por sonhos sombrios.
Eram dois, rostos cobertos por passa-montanhas negros, e armados com pistolas automáticas.
Levaram-me um dicionário Houaiss de sinónimos e antónimos e um CD do Brel, com a Amsterdam cantada ao vivo na faixa vinte.

Vejo agora como tudo se interliga: ainda ontem eu escrevia no Palavras ao Poste sobre o fim do Estado Social na Holanda, e agora ouço o Brel cantar sobre esse porto de Amesterdão, percorrido por duros e desbragados marinheiros e pobres prostitutas.

O que seria de todos nós sem o Brel, afinal?
O Chesterton disse um dia que, para uma ilha deserta, só levaria um manual de construção de barcos. Eu, para uma ilha deserta, talvez levasse apenas um CD do Brel, e esperaria que na ilha houvesse como o pôr a tocar. As músicas do Brel podem curar um homem de tudo.

Deixo que ele me prove certo (sigam o link para ver no youtube):

Hugo Picado de Almeida

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Textos

60 caracteres

O Andy Warhol estava errado. Nem toda a gente terá os seus quinze minutos de fama. A fama mede-se nos sessenta caracteres do rodapé de um qualquer canal noticioso quando alguém morre. Às vezes penso nisso quando identifico fama em alguém: quando morrer, este sujeito terá direito a um rodapé num canal de notícias. Um rodapé só dele. A maioria de nós nunca lá chega.

Hugo Picado de Almeida

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