Há coisa de um ano passei uma mão-cheia de dias a escrever por Paris, sobretudo nas Tuilleries e nos Jardins do Luxemburgo — premonitória coincidência? — e pude, com tempo para ficar e absorver, sozinho para deambular, reparar em cantos e coisas que de todas as outras vezes deixara por descobrir. Algo que me ficou na memória foi uma parede de pedra picada pelas balas da libertação de Paris (25 de Agosto de 1944) e pelos estilhaços do bombardeamento da cidade (20 de Janeiro de 1918) no número 60 do Boulevard Saint-Michel.
Passei pela parede, li a placa identificativa, e segui adiante, apenas para me deter ao cabo de alguns metros. Senti a enorme vontade de tocar aquela parede que ali se dava como pedaço de história inadvertidamente fora de museu. Estava já atrasado para deixar o estúdio que alugara e apanhar o RER, e acabei por ficar ali, só, a meio do largo passeio, na tentativa de decidir se havia de refazer o caminho para tocar a parede. Acabei, na altura, por achar pateta arriscar perder comboio e avião para roçar as mãozinhas nuns blocos de pedra, mas sei hoje que lá devia ter voltado. Ao recordar a fotografia no telemóvel, arrastando os dedos sobre a imagem envidraçada, pareceu-me triste não o ter feito na aspereza da realidade.
Hugo Picado de Almeida