Textos

O espaço defronte da arte

Henri Matisse, no seu estúdio em Nice, Agosto 1949. Foto de Robert Capa/Magnum Photos.

Henri Matisse, no seu estúdio em Nice, Agosto 1949. Foto de Robert Capa/Magnum Photos.

Um crítico de arte cujo nome perdi dizia — paráfrase minha — que a importância que atribuímos a uma obra está intimamente ligada às noções que temos da actividade humana subjacente à sua criação. Creio que terá razão.

O que geralmente me emociona ao ver um quadro ao vivo é saber que se partilha, naquele momento, o mesmo espaço físico que o seu autor viveu perante ele, e poder imaginá-lo ali, dançando com o pincel em frente à tela, parando para um cigarro, pensando nas contas por pagar e nos (des)amores por resolver. Porque um quadro nunca é apenas o que está na parede; a obra abarca ainda e sempre a área em seu redor, a porção do espaço que lhe fica sempre defronte. Só isso justifica a dimensão dos nossos museus, e talvez só isso nos faça ainda largar a galeria de imagens do Google para percorrer o mundo. Lembrei-me disto ao ver a história de Anastácio Gonçalves, antigo coleccionador português que faleceu na noite do mesmo dia em que finalmente visitou o Museu Hermitage, em São Petersburgo, ao fim de várias tentativas goradas. Afinal, talvez não deva surpreender ninguém, que não se possa resistir à convivência espacial com mestres como Le Pérugin e o Botticelli, o Steen e o de Hooch, o Poussin ou o Fragonard.

Hugo Picado de Almeida

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