Ao fim de mais de duas horas de voo, depois de chocalhado por alguma turbulência, o avião tocou o solo, o trem de aterragem chiou para acusar a violenta carícia, os travões abraçaram-se aos pneus e, eventualmente, o aparelho acabou a deslizar amenamente pela pista. Ao longo da cabine, emergiram aplausos. Daí a nada, saía do cockpit o piloto. Dobrava-se em vénias e sorrisos; às palmas foram adicionados cânticos coloridos e ramos de flores ruidosas. Alguns passageiros levantaram-se para acentuar a sua humildade e enaltecer a perícia do comandante. A chefe de cabine tentou alertar para que o sinal de cintos de segurança ainda se encontrava ligado, mas rapidamente foi silenciada por um bouquet de girassóis lançado da quinta fila. O público entusiasmou-se quando o co-piloto começou a distribuir autógrafos, enquanto ao comandante se estendiam bebés que convinha beijar.
Um dos comissários de bordo iniciava já o desembarque quando tudo finalmente descambou. Em uníssono, o público pedia “bis”, e as portas tornaram a ser fechadas, o piloto reentrando no cockpit, pronto para o seu encore. Não ouvi ninguém exclamar «brace, brace», mas prontamente me agarrei às pernas. Os aviões são a única dádiva dos céus, mas ainda assim convém ter alguma calma.
Hugo Picado de Almeida