Quando penso que não há coincidências, elas saltam-me ao caminho, e a pés juntos.
Outro dia passei horas com uma frase na cabeça, a frase que uma senhora envergava na camisola, sobre as omoplatas nímias: «As boas raparigas vão para o céu, as más vão para todo o lado». Claro está que a frase, sobre a ombradura da senhora, instilou em mim uma certa sede de parvoíce que o leitor sabe por vezes acometer contra mim, mas os acontecimentos do dia lá me foram secando a fonte e norteando o pensamento para outros afazeres.
E é nessa altura, quando estamos distraídos, que a coincidência concretiza a sua emboscada. No dia seguinte, quando abro o jornal, já esquecido da tal frase, deparo-me com a notícia da morte da famosa ex-directora da revista feminina Cosmopolitan, Helen Gurley Brown, que cunhou a tal frase sobre as boas e as más raparigas, frase, aliás, que inspirou uma série de frases um pouco por todo o mundo, declinada para camisolas-sousvenir de várias cidades e países, sobre mulheres, homens, londrinos, italianos, e todos aquelas que tenham capacidade para vender camisolas com frases cómicas.
Relembro-me então das costas algo disformes da senhora que outro dia carregava nos ombros rudes e sisudos a tal frase, e pergunto-me se fará ideia de quem a disse, e do papel que Helen Brown teve na sua emancipação enquanto mulher, e enfim, na possibilidade dela usar uma camisola assim.
Hugo Picado de Almeida