Paris é uma Festa, livro autobiográfico de Ernest Hemingway, é um dos melhores e mais interessantes volumes que já li. Decidi-o. Decidi-o arriscadamente, porque me lembro de o ter decidido quando ia ainda pela página 32, mas a cada nova folha virada me sinto ganhar razão.
O trunfo do livro é ser autobiográfico, em vez de autobiografia chata, género mais comum. É que o livro não é um curriculum vitae posto em prosa, mas sim, como o promete o subtítulo que foi ocultado da capa da edição da Livros do Brasil mas que se encontra dentro do livro, um conjunto de «impressões da vida do autor em Paris, por alturas da segunda década do século XX». É simplesmente isso que o livro é, e é soberbo. Narrado por um mestre como Hemingway, ele próprio personagem principal, o livro consome-se como um romance, ou mais do que isso, por se sabê-lo real.
Este é um livro essencial para quem gostar de ler e/ou de escrever, e tem um bónus para os amantes de Paris, como eu. O livro não testemunha apenas os conhecimentos de Hemingway e os acontecimentos da sua vida, mas também nos leva a passear por tantas ruas conhecidas de Paris, pelos seus bistrots, pelas suas lojas… E como se tudo isso não fosse já recompensa suficiente para o leitor que se dispôs a abrir o livro, há ainda diversas passagens onde Hemingway fala da vida e da Arte, sobretudo da literatura, com a famosa artista e crítica Gertrude Stein, que debateu tanto e tanto aconselhou muitos dos grandes escritores e pintores que hoje idolatramos, Sylvia Beach, a dona da famosa livraria parisiense Shakespeare & Company (a original, não a que hoje existe), Ezra Pound, Scott Fitzgerald, entre outros. O livro é, sobretudo, um percurso pela vida de um Hemingway na casa dos 20, a procurar afirmar-se como escritor na cidade para onde afluíam todos os artistas do início do século XX.
Com isto tudo, fica na boca a sensação de que as melhores histórias são mesmo as verídicas, e a dolorosa sensação de ver, página a página, o livro aproximar-se do fim.
Hugo Picado de Almeida