Há muito que gosto das músicas dos GNR, da irreverência do Rui Reininho, das letras labirínticas, surrealistas, plenas de intertextualidade. Havia, porém, uma música cuja maioria das palavras eu não conseguia destrinçar, e isso incomodava-me particularmente por ser uma das que me entrava melhor no ouvido.
Resolvi, então, procurar a letra, e depressa percebi sobre o que era, afinal, a música: uma crítica ao Acordo Ortográfico. Se o Acordo está agora em vigor, a decisão da sua criação foi já tomada em 1990 — daí a sua designação por «AO1990» –, e a música pertence a um álbum lançado em Abril de 1992, Rock in Rio Douro.
De facto, a música começa de forma esclarecida: «Ação, ator, ato», e prossegue depois com uma série de palavras ou referências pouco claras, onde vagamente se distinguem palavras que conhecíamos — muito como faz o Acordo — e não se coíbe de usar diversas palavras que o acordo veio transformar e, assim, dificultar o acesso ao sentido da frase, como acontece no verso «Que era súdito direto de fato», onde se deveria lersúbdito directo, de facto.
Mais ou menos a meio do texto, a letra atinge de forma claríssima aquilo que quer dizer, quando se sabe qual o seu significado:
«É um acordo ou é um buraco
Quem o quer, esse muro concreto
É político mas analfabeto
A corda bamba da cultura …»
A música tem ainda tempo para dar voz às incertezas sobre os motivos por detrás do Acordo, suspeitas geralmente unificadas na ideia de que resulta de pressões por parte dos editores brasileiros para dominarem o mercado editorial dos demais países da CPLP, onde havia ainda alguma resistência por parte dos leitores do chamado português europeu. A letra termina assim, tão clara quanto começou:
«O Petróleo não é tudo, Jr.!
Anónima acunpuntura»
Olhando agora para trás, alegra-me maravilhosamente descobrir que a letra dos GNR onde quase nem entendia as palavras era a música em que mais me revia, e especialmente a letra onde se pretende demonstrar que o Acordo rouba sentido à língua, e que este a pode tornar mesmo incompreensível.
Hugo Picado de Almeida
Estou completamente contra este acordo absurdo, nem encontro palavras para tal porcaria designar. Só sei que sou portuguesa e não consigo falar com aquela entoação imposta, muito menos escrever e ler até me faz náuseas! Fora com os corruptos e analfabetos que até nisto pôem o lucro material deles à frente. Abaixo!!!
Obrigado pelo comentário, Maria.
Também me causa muita impressão e estranheza, este acordo e as motivações por detrás dele…
Hugo Picado de Almeida
Citando Madalena Homem Cardoso, O AO é um “linguicídio”.
Muito bem notado!
Obrigado pela partilha.
Hugo Picado de Almeida
Também agradeço a referência ao neologismo… e concretizo (apresentação posteriormente disponibilizada em vídeo): http://youtu.be/TsewBV89IaQ
«Acorda!
Acção actor acto
Ponta-pé traves-tu barato
Bem-me-quer o Pedralvares cordato
Que era “súdito” directo de fato
Óptimo ou caricato
É um acordo ou é um buraco
Quem no quer esse muro concreto
É político mas anal fabeto
A corda bamba da cultura
A ponte pênsil no ar
Acorda muda de figura (…)»
🙂